A resistência na Rádio Nacional de Brasília foi até a consumação do golpe, na madrugada de 2 de abril

Após os acontecimentos narrados no post anterior, a madrugada de 1º de abril de 1964 na Rádio Nacional do Rio de Janeiro teve uma sequência discursos e entrevistas contra o golpe em andamento. Foram ministros, deputados, sindicalistas e estudantes. Também a Rádio Nacional de Brasília fazia desde a noite de 31 de março uma programação de resistência baseada na escuta que fazia da coirmã do Rio. Ambas as emissoras, vale recordar, eram vozes oficiais dos governos brasileiros desde os anos 1940.

Jango, que na noite de 31 de março para 1º de abril estava no Rio de Janeiro, abandona a cidade em direção a Brasília às 12h45. À tarde, com a situação fragilizada, e com o golpe já sendo comemorado nas ruas do Rio, forças do Exército tomaram os transmissores da Nacional em Parada de Lucas às 15h45. É quando se dá a debandada da resistência nos estúdios da rádio. Não sem antes providenciar na retirada de peças estratégicas para o retorno da emissora ao ar. Foram retirados fusíveis, válvulas e o cristal do transmissor em FM que fazia a ligação do estúdio com a torre em Parada de Lucas.

Na Rádio Nacional de Brasília a programação seguia normal naquele 31 de março. Durante o dia, o diretor geral, Edmo do Vale, procurava informações, inclusive no Palácio da Alvorada. A situação mudou às 22h, quando, segundo o relatório da comissão de sindicância, seis pessoas oriundas do Gabinete Civil da Presidência foram encaminhadas para a rádio por Darcy Ribeiro, ministro-chefe da Casa Civil de Jango.

A missão era dirigir e auxiliar o trabalho da Divisão de Jornalismo. “Foi organizada uma equipe de trabalho para a organização de notas para divulgação. A ordem recebida foi para entrarem na escuta da Rádio Nacional do Rio e gravarem seus pronunciamentos para divulgação. … Esse trabalho iniciado cerca das 22h30 de 31 de março prolongou-se pelo dia 1º até a madrugada de 2, quando a emissora saiu do ar.” No entanto, a redação de notas e a escuta da Nacional do Rio logo tornou-se desnecessária pois diversos deputados, sindicalistas e outros defensores de Jango chegaram ao estúdio onde formaram mesa redonda para tentar rechaçar o golpe.

A ação foi fervilhante na madrugada toda. Planejou-se um comício no Teatro Nacional com a cobertura ao vivo pela Rádio Nacional para a manhã e tarde daquele dia. Conforme o relatório, o movimento na rádio começou a diminuir na tarde de 1º de abril. Diz o documento: “A cobertura do comício processou-se como um dos fatos marcantes da atuação da rádio. … Por volta das 19h, Darcy Ribeiro compareceu pessoalmente à rádio tendo nesse instante entrado no ar a TV (Nacional), que também passou a fazer cobertura dos pronunciamentos, iniciando pelo de Darcy Ribeiro.”

“Com o afastamento de João Goulart de Brasília, os pronunciamentos foram diminuindo e, na madrugada de 2 de abril, a emissora saiu do ar, pelo que consta, por ordem do Gabinete Militar da Presidência da República.”

Do relatório constam falas de Jango na Nacional de Brasília, em 1º de abril, das 23h29 às 23h55 e das 24h às 0h06 (já entrando no dia 2 de abril), sendo certamente material gravado, pois ele havia deixado Brasília pouco antes, às 22h30, em direção a Porto Alegre.

A saída do ar da Nacional de Brasília, na madrugada do dia 2, ocorreu quase simultaneamente à oficialização do golpe, com o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarando vaga a presidência da República e empossando Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, que, de fato, nunca chegou a governar. A ditadura de 1964 estava concretizada.

O material que baseia esse relato foi obtido no Arquivo Nacional de Brasília. Em outro momento, volto a publicar mais material, inclusive com as consequências a dezenas de profissionais afastados das emissoras sob a acusação de atividades comunistas.

Publicado por Lucio Haeser

Interested in field recordings, electroacustic music and audio documentaries.

Um comentário em “A resistência na Rádio Nacional de Brasília foi até a consumação do golpe, na madrugada de 2 de abril

  1. Prezado Luciano,

    Meu nome é Marcelo Rocha, quero agradecê-lo pelo empenho em divulgar essas valiosas informações.

    Estou fazendo um trabalho sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira, o “Pedroca”. Carmelino foi trompetista de destaque nas décadas de 1940 e 1950. Trabalhou na orquestra da Rádio Nacional do RJ e, com a inauguração da Rádio Nacional de Brasília, passou a dirigir um programa de calouros aos domingos. Do golpe em diante, não é possível encontrar informações nos jornais da época.

    As informações que obtive informalmente relatam que Pedroca foi preso, torturado e solto algum tempo depois…

    Por favor, onde eu poderia verificar informações sobre os funcionários da rádio na época e possíveis consequências?

    Att,

    Marcelo Rocha.

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